Kant e o cepticismo antigo

António Pedro Mesquita
Córdoba, 11 de marzo de 2011

A importância do cepticismo no sistema kantiano e a sua influência sobre a formação da filosofia crítica são bem conhecidas.

O próprio filósofo as assume expressamente quando declara, nos Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura (1783): "Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa uma orientação inteiramente diversa." (Prolegomena, Introdução, A 13, tradução de Artur Mourão, Lisboa, Edições 70, 1982).

Também a presença do cepticismo antigo no pensamento de Kant, que ele aliás profundamente estudou e ensinou em sucessivos semestres nas suas aulas na Universidade de Königsberg, encontra-se de há muito amplamente reconhecida.

O papel exemplar da atitude céptica, muito em especial no magistério socrático e pirrónico, e, evidentemente, o dos desafios lançados pelos cépticos modernos às grandes "certezas" metafísicas da razão dogmática, maxime o princípio de causalidade, na constituição da filosofia kantiana são, assim, algo de larga e consensualmente aceite.

Já a filiação de conceitos, tópicos, perspectivas, esquemas de pensamento ou soluções particulares no cepticismo e, em particular, nas escolas cépticas antigas nos parece insuficientemente explorada, embora, como veremos, algum caminho tenha sido já efectuado nesta direcção.

Porém, não deixa de nos surpreender que alguns aspectos centrais do pensamento e do texto kantianos de inegável travo ou ressonância pirrónica não tenham sido antes devidamente realçados, ou sequer identificados, sob este ponto de vista.

Colmatar esta falha constitui justamente o objectivo da nossa comunicação.

Para tal, propomo-nos evidenciar alguns pontos de aproximação entre Kant e o cepticismo antigo que, até ao momento, ainda não vimos apontados, mesmo nos estudos sobre a formação do pensamento kantiano e/ou sobre o lugar nela ocupado pelo convívio com os cépticos gregos ou, em geral, sobre a relação entre o kantismo e a tradição céptica.

Fá-lo-emos, reconhecidamente, de modo assistemático e muitíssimo superficial e sumário, apenas para abrir caminho a outras investigações, próprias ou alheias, que possam tomar este levantamento preliminar como ponto de partida para uma abordagem mais cabal e exaustiva.